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  • Foto do escritorWesley Sa'telles Guerra

Por que a definição de Terrorismo é fundamental para o futuro?

Como você definiria Terrorismo? Atos de violência contra alvos não-militares? Espalhar o medo para ganhar atenção política? O conceito de terrorismo é mundialmente conhecido, mas até hoje, não há uma consenso global sobre o significado da palavra, que tem cerca de 200 anos de uso. A etimologia do termo nos remete à França do século XVIII quando terrorismo era usado para descrever as ações do estado após a Revolução Francesa. Essas ações eram classificadas como “terror” que amedrontava a população. Foi apenas no início do século XX que a palavra foi utilizada em sentido anti-governo, caracterizando ações de grupos e indivíduos contra o Estado.

Nos dias de hoje, o conceito de terrorismo é mundialmente difundido, seja pela mídia, por filmes, livros, e pela academia, mas ainda não há uma consenso global sobre o significado da palavra. Como você definiria Terrorismo? Atos de violência contra alvos não-militares? Espalhar o medo para ganhar atenção política? Uso indiscriminado da violência contra certos grupos? Essa fluidez semântica é determinada, em sua maioria, pelos interesses de quem controla o sistema. Muitas vezes, sobrepondo pontos à favor dos próprios interesses.

De certa maneira, essa falta padronização do termo deixa uma lacuna entre o Direito Internacional e o Terrorismo. Em seu livro “Terrorismo Internacional: Inimigo sem rosto – Combatente sem pátria”, o jurista José Cretella Neto discorre, detalhadamente, sobre a História do Terrorismo e sua efetividade em âmbito global, destacando o ataque da Al Qaeda aos Estados Unidos como o início de um novo tipo de terrorismo. O jurista se debruça nas mudanças, abrangências e fragilidades da jurisdição quando se refere ao terrorismo e ao terrorismo internacional, no qual ele busca definir o tamanho do alcance das ameaças. Nesta discussão, está também disposta a indagação sobre a falta de uma definição clara sobre o termo e as divergências entre os tribunais mundiais.

Nos Estados Unidos, a semântica diverge até mesmo entre os órgãos do Governo, que classificam atos terroristas de diferentes maneiras. O Departamento de Estado define como grupos terroristas apenas os subnacionais, e não seus Estados. E ainda, que os atos de violência devem ter motivação política, mas não mencionam a disseminação do medo. Já o FBI se baseia no Código de Regulação Federal que diz: “O uso ilegal da força e da violência contra pessoas ou bens para intimidar ou coagir um governo, a população civil, ou qualquer segmento da mesma, na prossecução dos objetivos políticos ou sociais.” Dessa maneira, para o FBI, a Frente de Libertação da Terra é um grupo terrorista por ações de ecossabotagem, mesmo que essas não usem atos violentos.

A preocupação em definir a tipificação de atos de terror, para os Estados Unidos, acontece principalmente após os atentados de 11 de Setembro de 2001, e a invenção e apoio a chamada “Guerra ao Terror”. Um padrão que se segue entre nações com embates históricos ou até mesmo ocasionais com esse tipo de tática de guerra. 

Para a Real Academia Espanhola, Terrorismo tem a seguinte definição: Dominação pelo terror, sucessão de atos de violência com o objetivo de difundir o terror, atuação criminal de grupos organizados, que, reiteradamente e indiscriminadamente pretendem criar um alarme social com fins políticos. Esse conceito expandido, semelhante ao enquadramento do FBI americano, coloca a Espanha entre as nações que tendem a punir um leque maior de grupos que fogem à definição de beligerância mais tradicional. Por seu histórico, e as tradições jurídicas, a luta contra terrorismo de forma mais abrangente, assim como na Colômbia, com seu antigo Estatuto de Segurança, que tipifica ações terroristas e ações subversivas como crimes gravíssimos.

Primero, endureció las sanciones contra varios delitos: secuestro, rebelión, perturbación del orden público, daño en bienes ajenos (mediante explosivos o cualquier sustancia química o inflamable), financiación de actividades ilegales, presión a autoridades legítimas, incitación a quebrantar la ley o desobedecer las órdenes de autoridad, uso injustificado de objetos y herramientas que puedan infringir la vida o la integridad de las personas colectas y fabricación, almacenamiento, distribución, venta, transporte, suministro, adquisición y porte de armas de fuego, municiones o explosivos. (BECERRA, 2014)

A severidade na tipificação da lei, colocou a Colômbia no foco de investigações de entidades que promoviam Direitos Humanos, já que na década de 1980, os militares se aproveitaram do Estatuto para a prática de perseguição e tortura aos subversores.

Catalina Turbay, em seu livro “El Estatuto de Seguridad: un estudio de caso” chama a atenção para a definição de Terrorismo na América Latina entre os anos de ditadura no continente.

En general, los militares y los gobiernos llevaron al extremo tal definición, justificando las medidas represivas al considerar que “cualquier opositor o crítico al Estado era una seria amenaza a los valores políticos trascendentales que conformaban y caracterizaban la nación, por lo que cualquier respuesta a esta situación fue considerada una legítima defensa de los objetivos nacionales” (Turbay, 2008).

No início dos anos de 1980, Margareth Thatcher, a Dama de Ferro do Reino Unido, decidiu aumentar a segurança em seu território com o objetivo de derrotar os terroristas do IRA (Exército Republicano Irlandês) e seus dissidentes. “A principal prioridade do governo é proteger o povo da Irlanda do Norte das balas e bombas. Terroristas são inimigos para todos nós”. Mas sem uma definição clara sobre a abrangência do que é terrorismo e do que seria o inimigo, centenas de injustiças foram cometidas.

Para que isso não se repita, e torne a guerra contra o terrorismo mais transparente, há uma pressão e esforço conjunto para que se chegue a um consenso entre o que é e o que não é um ato terrorista ou um ato de terror. Entre os acadêmicos, a subjetividade desta definição acabar por deixar qualquer ação antiterrorista em um âmbito frágil. Por exemplo, o que faz com que a bomba d Hiroshima não seja julgada como um ato terrorista? Ou um jovem palestino, ao jogar uma pedra contra um soldado israelense, ser preso por uma ação subversiva? O que justificaria o e Atos de Prevenção ao Terrorismo, aprovados pelo parlamento britânico e expandido nos anos de 1970, que liberava a prisão e julgamento de qualquer pessoa suspeita de envolvimento com o terrorismo?

A volatilidade do vocábulo torna até ações de segurança nacionais e internacionais ambíguas nos âmbitos jurídico e social. Até o momento, nenhuma jurisprudência ou doutrina se aventurou na definição conjunta e permanente de o que é o Terrorismo, além dos governos e seus referentes representantes da justiça. Nem a ONU, União Europeia, UNASUL, ou instâncias organizacionais conferiram em algum tipo de unanimidade. Isso fomenta críticas às políticas governamentais na luta antiterrorista.

A crítica feita por Henry Torres Vásquez, em seu artigo “El Concepto de Terrorismo, Su Inexistencia o inoperancia: la apertura a la violación de derechos humanos”, coloca sobre mesmo peso ações terroristas e antiterroristas, quando essas promovem injustiças sociais, opressão, miséria humana ao serem justificadas por seus utilizadores. Para o autor, o maior peso da justiça está na aceitação social dos atos. O que nos volta para a controversa definição de que: “O terrorista para alguns é o libertador para outros”.

Com um número crescente em ações definidas como terroristas, que entre janeiro e abril de 2016 contabilizam mais de 380 ao redor do mundo, os governos se apressam nesse tipo de discussão e aprovam documentos tipificando esse tipo de tática. É nesse contexto, que em março deste ano, a presidente do Brasil Dilma Rousseff sancionou a Lei Antiterrorismo (13.206/2016), na qual restringe a definição de terrorismo e o conceito de organização terrorista para o Brasil, além de tratar de disposições investigatórias e processuais. A lei apresenta a seguinte definição: O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

Além disso, o inciso primeiro do artigo 2º, tipifica ações terroristas como o uso ou porte de produtos químicos e o ciberterrorismo. Nos seguintes, abrangem o recrutamento, apoio e financiamento à redes terroristas, assim como abrigar e transportar pessoas com este fim.

Um dos pontos mais interessantes da desta lei está no inciso segundo do artigo 2º, que salvaguarda o direito à manifestação.

O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.

Mesmo assim, a aprovação da Lei Antiterrorismo, que por causa das Olimpíadas do Rio de Janeiro, vinha sendo pressionada para a sua aprovação, ainda encontra várias críticas contrárias, principalmente pela falta de um amplo debate sobre o assunto. Ainda em 2011, o professor da Unicamp Carlos Lungarzo escreveu um antigo apontando uma das maiores preocupações com a tipificação da lei no Brasil, o que parece ser um padrão ao analisarmos outros tipos de “abusos” na doutrinação antiterror. “No Brasil, o conceito de terrorismo é usado pelos setores mais conservadores do governo e do parlamento para criticar qualquer refúgio ou asilo que se ofereça a alguém minimamente suspeito de ter idéias ou simpatias de esquerda”.

A preocupação com um grande debate, em termos de divergência e tempo, é o que atrasa a formulação padrão do Terrorismo e as ações contra a tática. O especialista em Prevenção ao Terror da ONU, Alex Peter Schmid, descreve as quatro maiores dificuldades para essa definição:

  1. O terrorismo é um conceito contestado, e seu conceito político, legal e social são divergentes.

  2. A definição está ligada à legitimação e deslegitimação e criminalização de certos grupos.

  3. Há muitos tipos de terrorismo e eles se manifestam de diversas formas.

  4. O termo tem mudado de significado nos últimos 200 anos de existência.

Enquanto o debate ocorre, o que parece ser um consenso está na tríade alvo-motivação-atores. Mesmo assim, voltando aos Estados Unidos, podemos analisar como essa divergência de significado pode afetar as ações do governo e seu discurso. Por exemplo, a chacina na escola Sandy Hook tem como alvo a população civil, espalha o medo, mas não tem motivação política, e por isso não é classificado como o ato de terrorismo interno. Mas o massacre na igreja em Charleston, Massachussets, teve como alvo a população negra, e motivação político-religiosa e social, e mesmo assim não foi classificada como terrorismo pelo governo Obama. Já os assassinatos em Benghazi, na Líbia, que teve como alvo diplomatas (ou seja, não-civis) e atores envolvidos em guerrilhas, deveria ser enquadrado como crime de guerra mas foi classificado pelo governo americano como um ato terrorista e motivou uma reação como tal.

As reflexões acadêmicas sobre o tema ainda é obscuro, quase tanto quando o seu fim. O impacto referente às políticas governamentais são imprevisíveis e pesquisas desta natureza tendem a trazer mais dúvidas do que respostas. Mesmo assim, é necessária a discussão para que se crie políticas preventivas de ataques violentos tanto de natureza civil quanto de natureza estatal para que não se leve ao caos do diagnóstico mal feito e a imprecisão dos resultados.

BIBLIOGRAFIA

BAKKER, E. Terrorism and Counterterrorism Studies: Comparing Theory and Practice. Ed, Leiden University, 2015.

BECERRA, O. D. A., Conceptualización del terrorismo en Colombia (1978-2010), Universidad Nacional de Colombia, Instituto de Estudios Políticos y Relaciones Internacionales, Maestría en Estudios Políticos Bogotá, D.C. 2014.

LUNGARZO, C. O conceito de terrorismo na Lei 9474/97. Disponível em <http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/o-conceito-de-terrorismo-na-lei-947497/&gt;. Acesso em 21.03.2016.

NETO, J. C. Terrorismo Internacional: Inimigo sem rosto – Combatente sem pátria. Ed. Millenium. 2008.

TURBAY, C. 2008. “El Estatuto de Seguridad: un estudio de caso.” Ponencia. I Congreso de Ciencia Política. Bogotá: Universidad de los Andes.

VÁSQUEZ, H. T. El Concepto de Terrorismo, Su Inexistencia o inoperancia: la apertura a la violación de derechos humanos. Disponível em <http://www.unilibre.edu.co/dialogos/admin/upload/uploads/Articulo%205.pdf&gt;. Acesso em 21.03.2016

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